Qual é a relação da Revisão da Vida Toda com o tema 406 do STF?
O STJ, em dezembro de 2019, reconheceu a aplicabilidade da tese da Revisão da Vida Toda (Tema 999), ao permitir ao segurado, com base no “melhor benefício” utilizar a regra permanente do art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º. da Lei 9.876/1999, isto é, considerar para o cálculo da aposentadoria todo o período contributivo, mesmo que anterior a julho de 1994.
Na ocasião, foi firmada a seguinte tese:
“Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3o. da Lei 9.876/1999, aos Segurado que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999.”
Pois bem, dessa decisão, em março de 2020, a AGU interpôs Recurso Extraordinário contra a decisão proferida pelo STJ.
Por isso, muitos clientes e colegas tem nos procurado para saber se a tese acabou ou o que acontecerá daqui para frente.
Perguntas como: “Dr. a tese acabou?” “A revisão da vida toda tem chances de acabar?” “O INSS recorreu ao STF, e agora?”
Na minha visão pessoal, não. A tese da Revisão da Vida Toda não acabou, e os aposentados e advogados devem continuar acreditando nela. Eu, particularmente, entendo que não há violação direta ou indireta a Constituição da República (CF/88), ou seja, não há discussão constitucional a ser travada. O debate é estritamente infraconstitucional.
Pesquisando as teses e precedentes firmados pelo STF em matéria previdenciária, encontrei o Tema 406 do STF.
Mas, o que diz o tema 406 do STF? Do que se trata o referido tema? Por que ele é importante para a Tese da Revisão da Vida Toda?
O tema chegou ao STF por meio de agravo de instrumento (843.287 RS) e foi recebido como extraordinário. Nele foram discutidos critérios para o cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário. No caso concreto, o agravante pugnava pelo recálculo da média aritmética simples do seu benefício para que fossem considerados os 80% maiores salários de contribuição dentre os últimos 48 meses do período básico de contribuição.
O que nos interessa com relação a este caso é que o acórdão impugnado decidiu a causa adotando por fundamento a interpretação e aplicação do art. 29 da Lei 8.213/91. Ou seja, discutia-se a interpretação de artigo de lei infraconstitucional. Mesmo dispositivo debatido do tema ora tratado.
O STF, por maioria, recusou o recurso ante a ausência do requisito de repercussão geral, por se tratar de matéria infraconstitucional, sem reflexos diretos na Constituição. O Acórdão restou assim ementado:
RECURSO. Agravo de instrumento convertido em Extraordinário. Inadmissibilidade deste. Benefício previdenciário. Renda mensal inicial. Critérios de cálculo. Tema infraconstitucional. Precedentes. Ausência de repercussão geral. Recurso extraordinário não conhecido. Não apresenta repercussão geral recurso extraordinário que, tendo por objeto o direito de se renunciar aos salários-de-contribuição de menor expressão econômica para compor a média aritmética que servirá de base de cálculo para a renda mensal inicial de benefício previdenciário, versa sobre tema infraconstitucional.(AI 843287 RG, Relator(a): Min. MINISTRO PRESIDENTE, julgado em 26/05/2011, DJe-168 DIVULG 31-08-2011 PUBLIC 01-09-2011 EMENT VOL-02578-02 PP-00218) Grifo nosso.
O importante aqui é entender que o STF tem entendimento pela inadmissibilidade de recurso extraordinário quando a matéria levada a debate versar sobre interpretação ou critério de cálculo previdenciário previsto em norma infraconstitucional.
Neste sentido, destaca-se trecho do Voto do Eminente ex-Ministro Relator Cezar Peluso que esclarece precisamente a inexistência de repercussão geral no caso:
“Vê se claro, verifica-se que o acórdão impugnado decidiu a causa com base em legislação infraconstitucional, adotando por fundamento a interpretação do art. 29 da Lei 8.213/91, de modo que eventual ofensa à Constituição Federal seria, aqui, apenas indireta (…). Ora, é pacífica a jurisprudência desta Corte, no sentido de não tolerar, em recurso extraordinário, alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação, aplicação, ou até, de inobservância de normas infraconstitucionais, seriam apenas indireta à Constituição da República. É, a proposito, velhíssima a postura desta Corte no sentido de que, se, para provar contrariedade à Constituição, se deva, antes, demonstrar ofensa à lei ordinária, então é esta que conta para efeito de juízo de admissibilidade do recurso extraordinário. O Plenário já assentou que é de reputar-se ausente repercussão geral, quando eventual ofensa à Constituição se dê apenas de forma indireta ou reflexa.
Assim, caso o STF respeite seus julgados e precedentes, a matéria sobre a Revisão da Vida Toda seria exclusivamente de competência do STJ – que já entendeu pela possibilidade de sua aplicação. A discussão teria final feliz para os segurados.
Nos resta aguardar que o Supremo mantenha a coerência e decida tão somente com base na legislação, reconhecendo que a matéria está fora de sua competência e ratificando a decisão final favorável aos segurados proferida pelo Superior Tribunal de Justiça.